A Bahia vista por diversos ângulos e aspectos, com reflexões sobre temas relacionados à educação e à saúde, e também sobre artes visuais, dança, música, turismo, culinária, religiões e etnias. Essa é a proposta do recém-lançado Portal Bahia Contemporânea, que oferece um panorama amplo e diversificado sobre o estado. Através de artigos compartilhados por especialistas, pesquisadores da realidade da Bahia, professores universitários e demais estudiosos, busca fornecer visões das condições econômicas, políticas, culturais e sociais na Bahia.
O portal conta com a colaboração de muitos professores da UFBA e que têm a universidade em sua formação e história. Tem coordenação-geral e curadoria do filósofo, cientista político e professor de Sociologia Emir Sader, autor do livro “Latinoamericana: enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe”, vencedora do Prêmio Jabuti (2007), que deu origem ao portal da Latinoamericana, que atualiza e amplia o conteúdo do livro.
Emir conta que a motivação para criar o novo portal surge em decorrência do desgaste da imagem do Brasil no exterior, que era muito positiva até o ano de 2013, mas vem sofrendo um processo de deterioração acentuado nos últimos anos. Enquanto a ideia de criar um portal sobre o Brasil ainda está no papel, ele tem se dedicado à criação de portais que retratam estados como Minas Gerais, Piauí, e agora a Bahia. Pernambuco e Rio Grande do Norte, segundo seu planejamento, devem ser os próximos a ganhar espaços virtuais próprios. O portal baiano tem apoio da secretaria de comunicação do estado.
Entre os autores participantes, o professor Uallace Moreira, da Faculdade de Economia, traz em sua análise dados sobre trabalho e renda no estado, informações sobre os territórios de identidade e suas diferentes características culturais, sociais, econômicas, populacionais, agrárias e ambientais. Ele destaca o território de identidade Metropolitano de Salvador que abriga a capital e mais 12 municípios em seu entorno, que juntos representam 45% do Produto Interno Bruto (PIB) total da Bahia. As principais atividades econômicas da região estão entre a indústria e o comércio e serviços, representando (26,6%) e (62%) do PIB estadual, respectivamente. De acordo com os Dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), o PIB estadual superou os R$ 287 bilhões em 2018, com crescimento de 1,1%. Com isso, a Bahia está entre as sete maiores economias do país e tem o maior PIB da região nordeste.
A importância do turismo para o desenvolvimento da cidade e do estado como um todo, a força de sua cultura, tradições religiosas e gastronomia são ressaltadas pelo autor, assim como o seu Centro Histórico que é declarado Patrimônio Mundial pela Unesco. Também são compartilhadas informações que dão conta da história política no estado e das origens da formação da população da Bahia. Atualmente, Salvador concentra mais de 70% da população do estado.
O pró-reitor de graduação da UFBA, Penildon Silva Filho, faz uma abordagem sobre a Educação, considerando informações acerca das matrículas nas redes municipais e estadual de ensino, resultados das avaliações do INEP, entre outros dados. De acordo com o Censo Escolar 2019, a rede pública da Educação Básica, que representa em torno de 90% do total de matrículas do estado, totaliza 2.868.518 vagas. “O detalhamento desse contingente é igualmente expressivo, mas revela assimetrias muito marcantes da sociedade baiana”, diz Penildon, que vê exemplo dessas assimetrias na oferta de creches e educação infantil que está aquém da demanda. No ensino fundamental, essa cobertura atinge 97%, enquanto que no ensino médio menos de 50% dos jovens estão nas escolas.
Sobre o ensino superior, o pró-reitor fala sobre processo de expansão das universidades públicas entre 2003 e 2015, e a criação de universidades estaduais e federais na Bahia. “A crise econômica advinda da ruptura institucional em 2015 e 2016, a emenda constitucional 95 que congela os investimentos por 20 anos e a recente política de cortes nos orçamentos das universidades e institutos federais paralisaram essa expansão”, lamenta.
A saúde é o tema abordado pelo professor Luís Eugênio de Souza, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, que analisa a oferta e a cobertura dos serviços de saúde, números de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), cobertura vacinal, entre outros assuntos. São consideradas em sua reflexão questões relacionadas à situação demográfica e socioeconômica, compreendendo o período de 2008 a 2018, comparando a evolução dos números do estado e do país. “Em 2018, 77,6% da população estava coberta por equipes de atenção básica, um aumento de 20,9% em relação a 2008”, aponta Souza. É possível encontrar em seu artigo informações sobre expectativa de vida, saneamento básico, analfabetismo, taxas de mortalidade e causas dos óbitos. O professor também analisa o financiamento da saúde e demonstra preocupação com corte de recursos para o setor, a diminuição dos leitos SUS, e também com a redução das taxas de cobertura vacinal verificada na Bahia e no Brasil, sobretudo em relação à vacina tríplice viral – contra sarampo, caxumba e rubéola, e às vacinas contra a poliomielite e anti-tuberculose.
Em sua avaliação, houve uma melhora na situação da saúde no período de 2000 a 2014, com o declínio em vários aspectos a partir de 2016. “Essa evolução foi comum à Bahia e ao Brasil”, avalia o professor. “Ao fim, resta evidente a necessidade de voltar a uma trajetória de desenvolvimento econômico, com ampliação de investimentos em saúde para que se retome a trajetória de melhoria dos serviços de saúde, do estado de saúde e das condições de vida não apenas do povo baiano, mas de todos os brasileiros e de todas as brasileiras”.
O sociólogo Ordep Serra, que foi um dos fundadores e primeiro coordenador do programa de pós-graduação em Antropologia da UFBA, escreve artigo inicial sobre Religiões. “O neopentecostalismo cresce de forma avassaladora. É o fenômeno marcante, o mais significativo fator de mudança no panorama religioso baiano. Sua propagação tem incrementado um fundamentalismo com frequência violento, encarniçado na campanha contra os cultos de matriz africana”, observa ele. “O ódio assim cultivado e a violência que deflagra constituem o aspecto mais chocante do atual panorama religioso da Bahia”, acrescenta.
Wlamyra Albuquerque, professora de História do Brasil, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), inicia o seu texto com uma pergunta para quem nunca foi à Bahia: “O que é raça?”. No seu artigo, lembra que 80% da população baiana se declara negra, incluindo pretos e pardos, segundo os dados do IBGE. “Raça é um tema delicado na sociedade brasileira. É tão delicado que exige começarmos a falar sobre o assunto a partir de uma negação: raças, se pensadas como grupos biológicos distintos, não existem”, diz. Conforme explica a professora, ” a ciência contemporânea já demonstrou que a aparência física e o local de nascimento dos grupos humanos não os fazem pertencer a raças distintas, diferentemente do que pensavam os cientistas do século XIX”.
“Negar raça como algo natural, dado pela constituição biológica, é aqui o primeiro passo para falarmos de raça como grupos sociais que reconhecem ou são reconhecidos a partir de certas características exibidas nos corpos, gestos, modos de ver o mundo e nas suas práticas culturais. Isto quer dizer que raça é categoria social, histórica, política e cultural; uma invenção humana usada para diferenciar a partir de sinais e/ou formas de pertencimento. Invenção nada inocente se lembramos que raça continua a ser justificativa para a classificação, subjugação e extermínio de africanos, indígenas, nordestinos, ciganos, judeus e, mais recentemente, imigrantes latino americanos. Mas raça também tem sido uma palavra útil para que estes mesmos grupos se organizem, celebrem modos de estar nas sociedades, lutem e planejem coletivamente o futuro por partilharem o passado, ascendência e/ou características físicas”, afirma.
“Portanto, usamos a palavra raça para agrupar ou distinguir as pessoas considerando, principalmente, a cor da pele e outras características como o tipo do cabelo, por exemplo. É deste modo que o censo mapeia as populações negras, brancas e indígenas no Brasil. Mas o que faz raça ser palavra ainda frequente no vocabulário contemporâneo é o adjetivo que quase sempre a acompanha: negra. Não por acaso, “raça negra” é um dos termos mais frequentes nas buscas do google para quem quer saber sobre a Bahia”, conclui Wlamyra .
“A Bahia é um Estado rico e com uma cultura diversificada. O portal ajuda a projetar a sua imagem. Conta com participação de pessoas qualificadas e com estilos diferentes, uns mais analíticos, outros mais descritivos”, afirma Emir Sader, que antecipa a inclusão de próximos verbetes no portal, que irão abordar temas como meio ambiente, ciência e tecnologia, identidades culturais e financiamento cultural. O espaço permite refletir sobre as questões atuais com os diversos autores que, em muitos textos, buscam também resgatar origens históricas e elementos constitutivos da cultura da Bahia para ajudar a compreender o presente e pensar o futuro. “Espero que seja tema de leitura e de debates”, diz o coordenador.
Panorama cultural: Música, Dança, Teatro, Artes Visuais, Literatura, Culinária e mais
Cultura foi o tema escolhido pelo professor Paulo Costa Lima, da Escola de Música, para pensar sobre a Bahia contemporânea. Em seu texto, ressalta a diversidade dos territórios de identidade no estado, com suas dimensões culturais, econômicas e ambientais específicas. Ele faz um relato sobre a atualidade da produção cultural na Bahia e recupera as suas perspectivas formadoras, os movimentos de vanguarda, a importância do tropicalismo, e cita contribuições de nomes como Glauber Rocha, Walter Smetak e Gregório de Matos. Destaca também a influência do reitor Edgard Santos, que liderou o movimento de criação da UFBA, em 1946, “mudando, de forma definitiva, o ambiente cultural da cidade e do Estado”, diz o professor, que aponta a importância do surgimentos das escolas de artes na Universidade. Costa Lima comenta a dinâmica das festas religiosas, o ritual urbano que as caracteriza, que se torna base para muitas festas de rua. “Migrando inclusive, por incrível que pareça, para o carnaval”, diz.
Em outro artigo publicado no portal, Guilherme Bertissolo, também professor da Escola de Música, realiza um amplo panorama da produção musical na Bahia, compartilhando considerações sobre as manifestações culturais/étnicas e sua articulação em torno do carnaval, os impactos das novas mídias digitais e a cena independente, e as músicas experimentais/contemporâneas e os grupos/instituições musicais. Ele ressalta a multiplicidade da cena musical da Bahia que “está relacionada com a complexa teia de manifestações culturais de matrizes africanas, com um certo consenso em torno de três contextos, cada um com suas diferentes tradições: o Candomblé, Capoeira e os Sambas de Roda”, explica.
O texto aponta a influência do candomblé na música de blocos como Olodum, Muzenza e Cortejo Afro. Bertissolo fala também sobre uma nova música baiana, com hibridizações entre o rock, os gêneros baianos e a MPB, que ganha cada vez mais visibilidade no cenário da Bahia e brasileiro. Baiana System, Xênia França, Luedji Luna, Tiganá Santana, Peu Meurray e Márcia Castro são destacados como expoentes dessa cena, entre outros nomes. Sua análise abrange ainda o axé music, o pagode, o reggae, a música sinfônica e eletrônica.
Professora da Escola de Dança, Lia Robatto fala da Dança como patrimônio artístico da Bahia. “Seu patrimônio imaterial apresenta um rico acervo de manifestações de dança muito diverso”, afirma, abordando vertentes das danças baianas como manifestação coletiva popular, ritual sagrado e expressão artística autoral. Destaca a função da dança para manutenção de tradições ancestrais, como o boi bumba e o terno de reis, e como descarga de energia e emoção, como o exemplo de expressões como os “paredões” nas comunidades periféricas e as “pipocas” no carnaval. Formação artística, cursos de dança e arte-educação estão entre os assuntos discutidos. Robatto lembra que a UFBA foi a primeira do Brasil a criar cursos de dança de nível universitário e hoje é a única a ter um curso em nível de doutorado em dança.
Outro aspecto marcante da cultura baiana, o futebol, entra na reflexão feita pelo professor Leonardo de Jesus Júnior, professor da Faculdade de Economia e pesquisador da Unidade de Estudos Setoriais (UNES-UFBA). Por sua vez, a professora da Escola de Teatro Meran Vargens, em parceria com Eslon Rosário, avalia política públicas e formação profissional na área, novos coletivos e o teatro negro. Já a professora Elisabete Santos, da Escola de Administração, foca o seu texto na capital Salvador, sua história e ciclos de desenvolvimento, destacando a descoberta do ouro negro, o petróleo, e o surgimento o seu parque industrial. A arquitetura contemporânea da Bahia é o tema da análise de Nivaldo Andrade, professor da Faculdade de Arquitetura, enquanto a Literatura é a assunto da professora Mirella Lima, do Instituto de Letras.
A professora Alejandra Muñoz, da Escola de Belas Artes, compartilha experiências das bienais e salões de artes, perfil da produção artística no Estado, e informações acerca de espaços, equipamentos, eventos e o mercado de arte baiana. Ela destaca a importância das residências e dos intercâmbios internacionais.
Professor da Pós-graduação em Antropologia e da Escola de Nutrição da UFBA, Vilson Caetano escreve sobre a culinária baiana e os seus elementos construtivos a partir das contribuições de povos indígenas, africanos e portugueses. Ele fala sobre pratos que só se comem na Bahia, citando os ingredientes do efó, moqueca de ovo e roupa velha, assim como sobre as comidas de feira, os pratos da Chapada Diamantina e do Sertão. Sempre com indicações de onde é possível comer os cardápios sugeridos.
Fonte: Edgard Digital, em 06/11/2020
Carnaval 2017. Foto: Tatiana Azeviche